Na opinião de Jorge Janeiro*

>> quarta-feira, 17 de março de 2010

As transformações do Estado

O Estado-nação, apesar de ser uma construção relativamente recente, enfrenta sérias ameaças. Apenas no século XX os Estados reuniram todas as suas componentes, juntando o welfare à legitimidade, à lei e aos recursos. Os Estados coincidiam, grosso modo, com as nações e incorporavam os cidadãos no espaço nacional ao lhes concederem direitos cívicos, políticos e sociais, ao promoverem obras públicas, educação e saúde e ao instituírem o serviço militar obrigatório. As nações, governadas por elites que se viam agora obrigadas a buscar o apoio das classes médias, eram relativamente homogéneas, imperando o sentimento de classe, sustentáculo dos partidos democratas-cristãos, sociais-democratas e marxistas. O Estado-Providência, etapa última do Estado-nação, consubstanciava um poder incontestado ao nível interno e intocável ao nível externo.

Hoje a realidade é muito diferente. Os constrangimentos financeiros dos anos 70 e 80 obrigaram os Estados a retrair as suas funções, privatizando serviços e aplicando formas de gestão privada à Administração Pública. A sociedade civil ganhou um papel activo em diversas áreas, nomeadamente, no sector social através das Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS). Por outro lado, o fenómeno de integração europeia tem vindo gradualmente a condicionar os Estados, limitando a sua liberdade de acção (a obsessão do défice deve-se a imposições da moeda única). Ao nível interno, os governos viram o seu poder ser desafiado por uma panóplia de entidades reguladoras e institutos bem como pelo aparecimento de regiões e municípios fortemente zelosos do seu poder e sempre reivindicativos de mais competências.

O Estado-nação de hoje está em crise, tendo, acima de tudo, de reforçar a sua capacidade de negociar com networks sectoriais. E só consegue cumprir esse desiderato com funcionários e dirigentes dotados de mais competências, sobretudo transversais, pois a realidade está em permanente mutação. A realidade social e económica tem vindo a impor um carácter mais regulador e negociador ao Estado, o qual, gerido fundamentalmente por partidos com matrizes ideológicas dos finais do século XIX, desajustadas, portanto, do novo tipo de sociedade pós-industrial, tem cada vez mais dificuldade em demonstrar a sua importância.

O fortalecimento do individualismo, das novas identidades (sexuais, geracionais, regionais) e dos valores pós-materialistas, como a exclusão social, tornou incompreensível o papel do Estado e, sobretudo, indesejável a intervenção pública aos olhos dos cidadãos. No passado este levava o progresso às populações, dando-lhes estradas, hospitais e escolas. A sua acção era visível. E os cidadãos, habituados a viver mais em comunidade, aceitavam e incentivavam a sua acção. Hoje assiste-se ao contrário, não só porque as expectativas aumentaram mas também porque a sociedade, devido ao aumento da heterogeneidade, se rege pelo individualismo e por redes organizadas em torno de questões imateriais. O sentimento de classe desvaneceu-se. A família e a vivência comunitária soçobraram perante a urbanização acelerada. Os laços quebraram-se e as pessoas desenraizaram-se.

O PSD deve acompanhar as transformações sociais para poder, também ele, transformar o Estado. O PSD é um partido interclassista que preconiza o Estado social, uma economia social de mercado fortemente baseada e incentivadora da iniciativa privada e uma sociedade tolerante. Tem a flexibilidade suficiente para se adaptar a esta nova sociedade e deve definir a sua posição em determinadas matérias, nomeadamente:

1. Na esfera da vida privada, defendendo os valores da família mas abstendo-se de definir o tipo de família;
2. Na defesa da meritocracia e da transparência, revendo os processos de recrutamento de funcionários públicos e de nomeação de dirigentes bem como pela instituição de um rácio de assessores por funcionários para evitar a tentação de colocar os gabinetes autárquicos e ministeriais a fazer o trabalho dos serviços.
3. Na defesa de um país mais equilibrado, desconcentrando serviços públicos pelo interior, inclusive através da transferência de entidades ministeriais, e pela descentralização administrativa com a criação de regiões no continente.
4. Na defesa de uma coesão social baseada numa economia competitiva cuja pedra de toque seja o valor acrescentado por uma mão-de-obra qualificada. Isto implica um investimento suplementar em educação e formação contínua, bem como a difusão de um espírito de responsabilidade que aumente o nível de exigência de quem ensina e de quem aprende, especialmente destes últimos, por beneficiarem do esforço colectivo e da generosidade dos outros portugueses.
5. Na defesa de um Estado intervencionista que assegura a equidade social e territorial e aumenta a capacidade produtiva do país, estimulando as redes e as iniciativas privadas, e se afasta da sustentação artificial da economia.

Poderia, naturalmente, alongar-me na minha exposição, mas penso que os elementos aqui sublinhados constituem por si só um referencial potenciador de reflexão. Termino agradecendo ao Tiago Mendonça o convite que me endereçou para escrever no seu blogue, e faço-lhe o mesmo convite para escrever no meu sobre um tema à sua escolha.

Um bem-haja a todos!

Jorge Janeiro

*Vice-Presidente da JSD/Oeiras, uma das mais activas do país.

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