Na opinião de: António Lopes da Costa

>> quinta-feira, 14 de maio de 2009

Costumo dizer que todos os dias são uma oportunidade. E, desse ponto de vista, se cada dia pode ser um desafio, rapidamente se pode tornar num problema, principalmente no caso de todos os dias serem uma soma de oportunidades perdidas. É esse fenómeno que, no meu entender, tem acontecido em Portugal.

Muitas vezes, discutimos o secundário em vez do essencial e gastamos o nosso tempo a debater questões fracturantes, impostas ao debate público por força de manobras políticas com o fim de desviar a atenção das pessoas e que, na sua esmagadora maioria, incidem sobre realidades de pequenas minorias.

Quando pensamos nas palavras utilizadas pela classe política, raras vezes ouvimos falar de reforma. É um conceito que está praticamente arredado do dicionário político, apenas utilizado, muito de vez em quando, para se falar de reformas sempre demasiado restritas, como aquelas que, há muito, se prometem para a justiça, educação, saúde e para a própria função pública. Reformas que não se traduzem em resultados positivos ou que não chegam a sair do papel.

Por falta de coragem e imaginação, a actual geração de políticos fala pouco de reformas. Das que Portugal precisa, que são as reformas de fundo. E pensemos no tempo em que, todos os anos, discutimos uma Revolução que ocorreu há três décadas e meia, nas intermináveis horas em que se discute sobre Salazar e em várias situações do passado. Esse tempo, perdido, poderia e deveria ser utilizado na discussão de reformas de fundo.

Importa, então, referir que não há que ter medo de reformar. As reformas não são hostis. Pelo contrário. Devem ser sinónimo de optimização, de inovação, no intuito de adequar os recursos à realidade social, de forma a melhor satisfazer as necessidades gerais.
No meu entendimento, o bom político e bom economista devem ter características comuns: ambos devem adequar os recursos escassos dos quais dispõem, para os optimizar, com racionalidade e equilíbrio, no sentido de satisfazer as necessidades (várias delas transformadas em direitos) dos cidadãos.

Por muito pequeno que seja o nosso país, o grande problema não está na escassez dos recursos. Porque não há país no mundo que não tenha recursos escassos. Está no desaproveitamento destes, no desperdício e na não rentabilidade que os mesmos acabam por traduzir.

Assim sendo, o bom político deve, em primeiro lugar, olhar para o País. Depois, conhecê-lo. E, por fim, olhar atentamente para os recursos nacionais. Nesta fase, o bom político deve fazer um balanço, de forma a perceber, com correcção, quais são os recursos dispensáveis, os indispensáveis e os indispensáveis mas ultimamente dispensados.

Entramos aqui nos tais debates públicos e políticos que não são feitos e nas reformas de fundo que estão por fazer.

Imaginemos por exemplo no exército. Será que Portugal precisa mesmo de um exército? Com os recursos, materiais e humanos, do exército poderíamos ter bombeiros profissionalizados, uma marinha especializada na exploração da zona económica exclusiva, assim como uma melhor e mais eficaz polícia. A escolha é simples: ou se quer manter um exército que pouco serve os interesses do país ou se têm bombeiros qualificados, por exemplo, para o combate aos constantes incêndios do Verão, uma polícia mais eficaz, garantindo uma melhor segurança interna, e uma marinha capaz de tirar proveito de um “mar que é nosso”, mas que temos desaproveitado.

A minha opinião é a de que o exército não faz falta. Deixou de satisfazer os interesses nacionais. Ou melhor, os interesses nacionais que, em tempos, a existência de um exército permitia satisfazer deixaram de existir. Neste exemplo, o exército é um recurso dispensável. Os recursos de que o exército dispõe são, esses sim, indispensáveis.

Há outros recursos dispensados que, se o país tirasse proveito deles, poderiam ser mais-valias. Portugal, pela sua localização geográfica, tem recursos como a água, do mar e dos rios, além da terra e dos ventos. O País poderia seguir um caminho de sério investimento nestes recursos, que visariam garantir alguma sustentabilidade e eficiência energéticas. Inacreditável é também o facto de o País esbanjar dinheiro em auto-estradas desnecessárias em vez de investir na agricultura, completamente abandonada, que permite satisfazer as necessidades primárias.

Esta não passa, porém, de uma exemplificação muito pouco exaustiva de uma hipotética alteração dos fins de alguns dos recursos do Estado e de alguns cenários que o País poderia mudar.

Mudar, no bom sentido, pode também significar especializar. Neste aspecto, o País poderia muito bem abdicar de alguns sectores e especializar-se naquilo em que o seu potencial é maior, como os serviços e o turismo, desencadeando, para tal fim, as políticas necessárias.

Um factor que contribui para a falta de esperança no futuro é a ausência de debate. Debater estes assuntos é discutir mudanças. Mudanças profundas. E há sempre quem queira resistir à mudança. Mas o facto de nem sequer se debaterem estas mudanças afasta os jovens, desmotiva potenciais eleitores e afasta as pessoas do exercício dos seus direitos de cidadania. O conformismo toma o lugar do reformismo e a confiança decresce, assim como a economia.

Mudar pode ainda significar substituir o velho, pelo novo. Substituir pelo novo é dar lugar aos jovens. E dar lugar aos jovens é dar lugar às novas ideias. Em vez de se discutir a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, poderíamos debater outras, e novas, ideias. Por exemplo, poderia ser lançado o debate sobre uma nova Constituição (que melhor se adequasse à realidade). Do mesmo modo que poderíamos discutir novas ideias como a possível automatização do Direito, a reformulação do sistema político nacional, a reforma do ensino em Portugal, com a instituição de novas disciplinas, capazes de potencializar as capacidades dos alunos, entre tantas ideias que, à partida, nos possam parecer tão absurdas ou dificilmente concretizáveis.

Outros temas e outras mudanças, tão ou mais necessárias das que falei, poderiam ser abordados aqui. Poderia ter falado de questões específicas como o combate à corrupção, a avaliação dos professores ou propor que a escolha de alguns órgãos do Estado passasse a ser feita por sufrágio universal e directo. Poderia ter falado de questões mais genéricas, como propor um caminho para fazer de Portugal um país exemplar nos cuidados de saúde, eficiente no combate à criminalidade e à insegurança, eficaz no ensino e mais justo. Mas é precisamente o facto de não ter referido estes, e outros, aspectos que não deixa dúvidas de que Portugal precisa de reformas. De reformas de fundo. Que façam com que o nosso País volte a ter esperança em si próprio.

Voltando ao primeiro parágrafo, a conclusão a que chego é que Portugal é um desafio. E cada dia é uma oportunidade.

1 comentários:

Miguel Vaz Serra... 14 de maio de 2009 às 17:13  

Além de ser um belíssimo "escritor",António sabe como "contar" a sua história, a nossa história...