A escaldar, por Nélson Faria

>> segunda-feira, 11 de maio de 2009

7ºTema - Clonagem



Mais uma vez discutimos os dilemas morais que os avanços tecnológicos nos colocam. Mais uma vez, apresento o meu apelo e a minha posição de princípio: o uso de embriões humanos para investigação científica é uma atrocidade. A nossa ciência, a evolução científica, não se pode basear num modelo assente na instrumentalização do ser humano, no uso do homem como elemento descartável. As nossas pesquisas devem centrar-se em práticas respeitadoras do Homem, como a extracção de células estaminais do organismo adulto, do cordão umbilical ou dos fetos abortados.

A grande questão do século XXI em matéria de direitos liberdades e garantias prende-se com o direito à identidade genética. Este mundo abre as possibilidades dos mais mirabolantes filmes de ficção científica, comédia ou intriga: clonagem de humanos, criação de cópias para lidar com os problemas do dia a dia, substituição de pessoas. E se a princípio poderíamos ignorar estes devaneios, convém sermos cautelosos e previdentes. Entramos num mundo muito intrincado quando penetramos nos segredos da “Criação”.

Na clonagem podemos distinguir a clonagem reprodutiva da clonagem terapêutica: a primeira dedica-se a criar réplicas de humanos; a segunda dedica-se à obtenção de tecidos ou órgãos com fins médicos. Nem todos as consideram diferentes, e no entanto eu acredito na bondade da segunda e repudio o terror da primeira.

Na clonagem reprodutiva podemos, por exemplo, dar de caras com um casal infértil à procura da solução para o seu problema, ou com o aproveitamento do material genético de uma criança morta de para fazer uma cópia desse ser. Qualquer destas hipóteses trai a condição humana: cada pessoa é única, original e irrepetível. Esta clonagem é desumana, desrespeitadora do que nós somos, da nossa identidade. É certo que poderíamos considerar conveniente, e que até poderíamos pensar em como a nossa vida seria mais fácil se não tivéssemos de lidar com a perda de uma pessoa ou se pudéssemos gerar pessoas em laboratório quando não conseguimos reproduzir-nos. Mas como lidar com a ambivalência moral?



Copiar um ser humano já existente é a objectificação do homem e a desvalorização do valor intrínseco de cada um de nós. Assumir que podemos ser copiados é assumir que qualquer um é descartável, que em nome da experiência podemos extinguir este projecto e tentar de novo. Esta é a maior traição à experiência humana. Nós não somos programas informáticos que possam ser viciados e reiniciados. A nossa riqueza humana, o acumular de experiências, o crescimento, todos estes factores definem-nos, por muita “programação” que esteja inscrita no ADN.

E nunca será demais avisar a comunidade científica quanto à área em que se estão a aventurar: mais do que nunca, estamos a brincar num recreio que não é o nosso. Devemos sondar as águas, sondá-las muito bem, antes de colocar o pé lá dentro: uma vez o pé dentro da água, está molhado. É complicado prever as consequências destas nossas decisões, e ninguém devia ser tão irresponsável que se atirasse sem ponderação. O futuro é absolutamente imperscrutável.

Assumo com grande “à vontade”, apesar de todas as reticências, que estamos perante um império das possibilidades. Podemos começar a imaginar um mundo em que não teremos de procurar dadores de órgãos, pois criaremos o órgão em causa através do desenvolvimento do material genético; em que deixaremos de ver próteses nos amputados mas sim verdadeiros membros. Este salto fará com que os normais procedimentos médicos de hoje pareçam “corte e costura” aos olhos de amanhã. Esta possibilidade leva a que me entusiasme em relação à clonagem, desde que a investigação respeite a identidade e a mais valia do ser humano, da Humanidade.



Toda a actividade humana deve ter como centro o Homem, deve ser respeitadora da sua valia quer nos meios quer nos propósitos. O respeito pelo Homem é central e indispensável. A investigação científica que não seja seriamente escrutinada à luz dos nossos princípios, moral e ética, quer nos seus métodos quer nos seus resultados, não é humana. Os momentos mais negros da nossa história devem-se exactamente à falta de rigor nas nossas práticas, em queimar etapas, em fechar os olhos hoje para vermos melhor amanhã. Mas a visão torna-se tão turva que cega, e quando finalmente voltamos a ver estamos imersos na escuridão.

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