É isto que quero dizer quando falo de Degradação dos Valores.

>> quinta-feira, 28 de maio de 2009

Transcrevo na integra, a notícia retirada da edição online do EXPRESSO. Os "negritos" são da minha autoria.

Têm 12, 13, 14 ou 15 anos, mas no Bilhete de Identidade todos nasceram em 1992, um ano que funciona como uma espécie de livre trânsito para sair à noite e lhes dá luz verde para beberem o que quiserem. Sem chatices e sem perguntas. Aos olhos de qualquer porteiro, já têm 16.

Tudo graças à falsificação do BI, um segredo bem guardado, cuidadosamente escondido de pais, professores e autoridades, mas partilhado por quase todos os adolescentes. A alteração da data de nascimento é hoje uma prática corrente entre os miúdos, que dizem ser "superbásico" forjar o documento para poderem entrar em discotecas.

"É bué fácil e faz-se em menos de 20 minutos. Digitalizamos o BI e mudamos a data de nascimento com um programa de edição de imagem tão básico como o Paint. Depois é só imprimir e passa como uma fotocópia verdadeira. Não se nota nada", explica Luís, de 14 anos, aluno do 8º ano num conhecido colégio privado de Lisboa.

Já treinados nesta arte da falsificação, há até miúdos que fazem a impressão a cores num papel mais grosso do que o normal, cortam com uma guilhotina "para ficar mesmo direitinho" e depois plastificam como o BI real. Para o tempo que os porteiros de discoteca olham para o documento, entre filas de adolescentes desejosos de entrar, esta falsificação mais sofisticada "passa na boa".

Verdadeiro 'nerd' da informática, Luís, de cabelos pretos e uma longa franja puxada para o lado, já falsificou o BI de vários amigos. Mas deixou-se disso. "Fechei a loja. Às tantas, já eram tantos que me fartei", desabafa. No seu caso, garante só ter recorrido a esta estratégia uma vez para entrar no Garage, uma das discotecas lisboetas mais populares entre os adolescentes e onde é "quase sempre" pedido o BI à porta. Nos outros sítios, como em Santos, nunca tem problemas para entrar. "Sou alto e já mudei a voz. Mas os meus amigos que ainda não passaram pela mudança da voz têm de usar mais vezes".

Tiago tinha 13 anos quando falsificou o seu. Estava nervoso da primeira vez que mostrou a fotocópia forjada, também à porta do Garage. O porteiro deixou-o entrar, depois de uma rápida vista de olhos pelo documento.

A artimanha, no entanto, acabou por lhe custar caro. Nas férias do Natal, voltou a usar o bilhete falsificado para comprar cervejas num hipermercado, juntamente com um grupo de amigos. Pouco depois de saírem da caixa, já de garrafas na mão, dois agentes da PSP pediram-lhes a identificação. Tiago respondeu que não tinha, mas um dos polícias acabou por lhe retirar a carteira. Quando lhe perguntou qual era a sua data de nascimento, baralhou-se e acabou por dizer a real, tornando evidente a contradição.

Tiago enfrenta agora um processo no Tribunal de Menores. "Estou com um bocado de medo do que me vão fazer. Posso ter de cumprir várias horas de serviço comunitário, mas espero que não seja mais do que isso. Não sou nenhum delinquente", diz, convicto de que o que fez não tem nada de mais. "Para entrar nas discotecas, quase toda a gente o faz. Só na minha turma, 11 já falsificaram. E os outros também o querem fazer", garante.
Mas o argumento não serve de atenuante. O castigo dos pais vigora há cinco meses: está proibido de voltar a sair à noite até ao próximo ano, quando finalmente fará os 16.

Ao Expresso, PSP e PJ afirmam não terem dados sobre a falsificação de documentos para este objectivo. Também a Confederação Nacional de Associações de Pais mostra "total desconhecimento" destes casos, que classifica como "causadores de enorme preocupação". Só a Associação Nacional de Discotecas está ciente do fenómeno tão corriqueiro entre os jovens. "Há proprietários que já alertaram para a falsificação dos BI e discotecas que, por isso, não aceitam uma fotocópia para entrar", diz Francisco Tadeu, presidente da associação.

Maria, de 13 anos, já a usou várias vezes, sobretudo para entrar na Vaca Louca, um bar em Santos onde gosta de beber "muitos shots", de preferência "daqueles que queimam a garganta". Como todas as suas amigas, pagou 15 euros "a uns chungas que costumam parar na estação do Cais do Sodré" para a tornarem quatro anos mais velha no BI.

A aluna do 7º ano de uma escola de Oeiras começou a sair à noite aos 11 anos. Chegou a fazê-lo "todos os fins-de-semana", mas agora já não lhe apetece tanto. Quando ainda lhe dá a vontade de beber uns copos, não tem hora para acabar. "É sempre até de manhã". Aos pais, diz que vai dormir a casa de uma amiga. "Eles nunca se preocuparam muito em ligar para a mãe dela a confirmar", explica.
Muitos porteiros dos bares onde vai também não parecem muito interessados em verificar a sua idade. "Não parece que tenho 13 anos porque sou alta e tenho o peito grande. Mas ponho sempre lápis preto nos olhos, batom e base".

A afirmação, em baixo, de Goulão, permite constatar que apenas 3 países em 27 da UE, permitem o consumo aos 16 anos. Portugal, sempre na linha das "boas práticas"europeias.

Por isso, João Goulão é peremptório em afirmar a necessidade de restringir o acesso dos jovens a bebidas alcoólicas, reforçando a fiscalização sobre bares e discotecas e aumentando dos 16 para os 18 anos a idade legal para o consumo. Isso mesmo propôs o IDT num Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool que já está nas mãos do Ministério da Saúde, devendo ser aprovado brevemente em Conselho de Ministros. "É fundamental alterar a lei. Em toda a UE, aliás, só Portugal e outros dois países permitem o consumo aos 16 anos", sublinhou.

Esta noticia choca-me e deixa-me profundamente triste com a crise de valores em que a nossa sociedade mergulhou. Perante a passividade de todos.

7 comentários:

Anónimo 29 de maio de 2009 às 11:29  

Deixa lá os miúdos. Não é por isso que se vão tornar assassinos ou bandidos. Toda a gente faz as suas palermices enquanto jovem.

Tiago Mendonça 29 de maio de 2009 às 13:32  

Assassinos, não direi. Mas falsificar documentos é crime. No caso não será, porque não existirá culpa, em virtude da inimputabilidade penal existente até aos 16 anos. Mas é algo muito grave.

E a mim arrepia-me, deixa-me triste e preocupado, que uma rapariga de 13 anos minta aos pais, falsifique documentos e goste de beber shots porque queimam a garganta.

É um comportamento desviante e de risco. Que me preocupa. Acho normal que assim seja.

Anónimo 30 de maio de 2009 às 21:31  

Isto não se trata de palermices ou não de adolescentes mas sim de uma corrupção de valores numa idade onde estes ainda estão ser formados. E não me digam que isto não é grave porque quem o disser mente!

Tibério Dinis 30 de maio de 2009 às 22:17  

Tiago, acho que colocas mal a questão.
Degradação de valores dos filhos ou dos país?
Para mim é dos país e escuso justificar.

Haja Saúde

Tiago Mendonça 30 de maio de 2009 às 23:26  

Anónimo,

Concordo a 200% com o que afirmou.

Tibério,

Ruptura do núcleo familiar, desinteresse da vida dos filhos, por parte dos pais. O interesse resume-se a de 3 em 3 meses saber as notas dos períodos escolares ou a convidar a família para a festa de aniversário. Sem familia, dá nisto. Degradação dos valores, evidenciada na conduta imprópria de crianças, adolescentes e, pior, adultos.

Poderia aqui dar um exemplo flagrante. Aliás, em bom rigor, dois. Mas como vou postar sobre isso, guardo-me para aí.

António Lopes da Costa 2 de junho de 2009 às 02:34  

Caro Tiago,

Pelo interesse deste artigo, dou-lhe, desde já, os parabéns. Porque não me lembro de ver falar deste assunto em lado nenhum.
Como disse, e explicou bem, nesses casos não é crime.
Eu nunca falsifiquei o BI.
Para mim, esse facto (a falsificação de BI's) deve dar origem a uma discussão diferente. Porque eu comecei a sair aos 14/15 anos. E as maiores “loucuras” só aconteceram depois.
O meu primo fez 15 anos na semana passada, tem maturidade para ir sair e até para beber o seu copo. Mas não pode. E uma hipótese para ir sair era a falsificação do BI, apesar de não o fazer.
Eu acho que existe um fenómeno em que os miúdos vão sair à noite cada vez mais cedo. Porque sentem essa necessidade.
Talvez o problema não esteja nos miudos. Há vários caminhos possíveis.
Por exemplo, estes três:
1) Uma política de resposabilizam dos pais e de educação a ser feita pela família, impedindo-se, por essa via, que os miudos vão saír até aos 16;
2) Deixa-se os miudos saír à noite, levando o seu BI verdadeiro e tendo restrição de bebidas alcoólicas, por exemplo;
3) Abrem-se bares específicos para que os miudos, que ofereçam determinados requisitos de segurança;
etc.
Há muitos caminhos. Mas eu falo por mim. No verão passado fui à Quinta do Lago ter com uns amigos e aproveitei para levar o meu primo mais novo à Trigonometria, que é para mais novos. Ele esteve com os amigos, na "caça às miúdas" e todos beberam um copo ou outro. O normal. E enquanto eles se divertiam normalmente no piso de cima, gerou-se uma pancadaria enorme entre maiores de idade, completamente bêbados, que envolveu porteiros e tudo.
Do meu ponto de vista, talvez o problema não esteja nos miúdos. Até porque se aos 16, de repente, começarem a beber, os problemas podem ser bem maiores. Mas esse é só o meu ponto de vista. Parcial, porque só conheço esta realidade. E discutível, como tudo.

Um abraço

Tiago Mendonça 2 de junho de 2009 às 11:42  

António,

Concordo com muito do que dizes.

Acho que, o sair à noite, deve ser algo gradual. Cria-se uma ideia perigosa de que aos 16 se quebra uma barreira. Que aos 16 se passa de uma proibição quase total para uma permissão enorme. Não acho que seja o caminho mais correcto. Acho que seria benéfico termos espaços diferenciados para pessoas de uma ou outra idade.

A minha proposta, ainda que sujeita a reformulações, seria qualquer coisa como isto:

Até aos 15, impossibilidade de entrada em espaços nocturnos. Controlo sério, rigoroso, penas pesadas para os prevaricadores.

Entre os 16 e os 17 anos - Criação de espaços especificos, discotecas, sem venda de bebidas alcoolicas, com hora de fecho às 2h, máximo 3h da manhã.

Entre os 18 e os 19 - Sem restrições na hora de fecho, mas com restrições no que ao alcool diz respeito. Por exemplo, seguindo o modelo sueco, apenas permitir o consumo de bebidas alcoolicas até determinado teor alcoolico. E um controlo apertado no número de doses a ingerir.

20 em diante - Sem restrições. Agora acho que poderiam ser aplicadas coimas a quem fosse encontrado excessivamente alcoolizado. Não me chocava ter os famosos "balões" às saidas dos espaços de diversão nocturna.

E digo isto, porque quem comete um crime estando em estado de inimputabilidade (embriagado) ainda que vá responder por esse crime, porque culposamente se colocou nesse estado, poderá ter uma atenuação. Mais, não podemos permitir, que as pessoas se coloquem em estado de inimputabilidade como se nada fosse. Por exemplo, quem apresentasse uma taxa superior a 1,0, poderia ter que ser responsabilizado com uma coima.

Ultima nota: No caso do tabaco, acho que apenas se deveria poder fumar depois dos 20. Entre os 18 e os 20 a ideia da coima não me chocava. E de uma vez por todas acabar com o fumo em locais públicos. Sem excepções.