Dia B, por Bruno Antunes

>> domingo, 31 de maio de 2009

O Jornalismo.

Já por várias vezes me debrucei sobre este tema. A entrevista da TVI com Marinho Pinto mais não fez que pôr mostrar as fragilidades daquele género de jornalismo, algo que poderá tornar-se corrente em Portugal, algo perigosíssimo. É um assunto complicado na medida em que poderá envolver um confronto entre a liberdade de expressão e a imparcialidade jornalística. Se por um lado a liberdade de expressão se afigura um dos vectores basilares de um regime e sociedade democráticos, por outro a imparcialidade na disponibilização de informação através dos media é também ela fundamental. Em termos jurídicos importa referir a base legal no sentido de fundamentar aquilo que aqui escrevo.

Por um lado, no Artigo 37º nº1 vem previsto:
Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

Por outro lado, no Artigo 1º do Código Deontológico dos Jornalistas se postula:
O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.

Questionemo-nos sobre a aceitabilidade de um noticiário em que o jornalista que transmite as notícias ao telespectador as faz de modo ostensivamente tendencioso? Peguemos num exemplo. A jornalista M noticia que o Governo do Primeiro-Ministro J pretende aumentar os impostos neste país P. Ao fazê-lo, a jornalista tece um comentário como “Estes políticos continuam a ir ao nosso bolso sempre que podem”.

Que raio de ideia sobre a notícia terão as pessoas que aquilo assistem? Diria que um telespectador médio será facilmente influenciado por aquele entendimento, quando mais não seja pela possibilidade de também ele pensar daquele modo à partida, porque à partida ninguém gosta que lhe mexam nos impostos, a menos que seja para baixar. Reforço a ideia já escrita noutro texto, de que não estão em causa crónicas, artigos de opinião, ou outros “pareceres” jornalísticos. Estará antes em causa a possibilidade de aquilo a que classicamente se chama pivô comentar as notícias que eventualmente transmite em primeira mão. É, (como também já escrevi) sob aquele conteúdo e sob aquela forma que o telespectador tem o primeiro contacto com a notícia. Por isso é que classicamente nos noticiários se passa uma peça jornalística e só depois se pede um escólio a um qualquer comentador.

Com isto pretendo defender a ideia de que o papel do jornalista é importantíssimo (não é a toa que chamam 4º poder) e de tal forma é importante que se lhe exige uma responsabilidade elevada.

Agora vem o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas considerar “reprovável” o comportamento de Manuela Moura Guedes enquanto pivô do Jornal Nacional às sextas-feiras.
Vamos ver se é um alerta que passará a mensagem que alegadamente deverá conter.
Perante este cenário de confronto de direitos e deveres, cabe encontrar, como em tudo, um equilíbrio.

Fica o reparo.

P.S.: Não se pretende criticar a jornalista da TVI em especial ou sequer a TVI. Apenas alerto para factos. Obrigado.

3 comentários:

Angelika Buch 31 de maio de 2009 às 23:19  

Não sei. Será assim tão perigoso?
Serão as pessoas tão inocentes? Temos que colocar o direito de informação acima do da imprensa e/ou de expressão?
Tenho minhas dúvidas, até porque em nome de outras liberdades podemos restringir a liberdade de expressão na sua forma qualificada(liberdade imprensa) de tal modo que seria o mesmo que a reduzir a zero, ou melhor: a pó.

Penso ser preferível uma liberdade de expressão caótica do que o fim dela em nome de outros direitos, não me interessam quais.

Quanto a distinção de notícia e opinião: Serão os telespectadores assim tão ingénuos, tão tolos, que não se apercebem de que se trata de uma opinião da jornalista para além da notícia?

Não acredito, sinceramente, não acredito. Penso que sabem muito bem do que se trata; fingem porventura que não sabem, porque querem ver barraca, querem mais um capítulo da novela "Moura Guedes" ou "Governo".

Em relação ao comentário: “Estes políticos continuar a ir ao nosso bolso...” Não leu o mesmo manual que eu li, onde estava escrito que a tributação é uma forma extorsão permitida? Se não leu também não faz mal: essa é uma frase repetida por alguns economistas para explicar a faculdade que o Estado tem de cobrar impostos e a impressão que as pessoas têm quando são obrigadas a pagar. Mormente aquelas que trabalham e têm de pagar um montante nada insignificante ao Fisco. Decididamente, não sei o que há de tão horroroso nessas afirmações...

Assim como o povo tem os políticos que merece porque os elegeram, assim também aquele jornal. Aquele jornal tem aquele público. Aquele público escolheu exactamente aquele jornal: é uma forma de autonomia, de liberdade de escolha.
Se pensa que aquilo é tudo menos um jornal, pronto, está bem, é algo diferente com o nome "jornal": concordo consigo plenamente.

Sabe, a tecnologia tem algo de muito bom. Quando eu não gosto de um programa: eu mudo, eu desligo, eu desprogramo, eu apago.... Quem não gosta, que mude de canal, não há um só jornal nesse mundo. Tudo depende dos gostos. E gostos não se discutem, lamentam-se!

Por outro lado, não sejamos tão ingénuos: o excesso de sensibilidade levado a cabo redundará no fim da liberdade de expressão ou até mesmo na censura. E já não sei se essa consequência não será pior do que a liberdade de expressão nos moldes em que a vivenciamos.

Não quer dizer que eu concorde com o método da jornalista, mas a meu ver este é o mal menor. Deixa lá a Moura Guedes… Ninguém é obrigado a ir lá. Ninguém é obrigado a assistir o "jornal da Moura Guedes": Mude de canal. Aliás, eu nem sabia que ela tinha esse programa e muito menos que era exibido toda as sextas. Foi uma linda propaganda para o programa dela. ;-)

Em relação ao equilíbrio: Pelos motivos acima expostos, o direito de expressão e/ou de expressão qualificada (liberdade de imprensa) devem preponderar sobre o direito de informacao "neutra", aliás é essa linha que os tribunais têm adoptado.

Inté!

Angelika Buch 31 de maio de 2009 às 23:25  

Só mais este reparo: Quase ninguém nesse mundo pagaria o imposto de forma voluntária... Essa é que é a verdade. Por isso um tal comentário só reflectiria o que um telespectador médio pensa (mas não só o telespectador médio...)

Anónimo 5 de junho de 2009 às 09:47  

o problema nao e o que se diz, mas como se diz. Neste caso concreto, a jornalista se quer dar a sua opinião, embora disfarçadamente deve faze-lo nao como a jornalista da tvi mas sim como a Manuela Moura Guedes. acho que assim já é possivel falar da liberdade de expressão que todos nós temos, em detrimento da imparcialidade do jornalista. Pelo contrario, se comenta uma noticia enquanto jornalista, do meu ponto de vista, a imparcialidade deve sobrepor-se ao resto.