Na opinião de Jorge Batista

>> quinta-feira, 8 de julho de 2010

Abram alas para o Noddy

Habituamo-nos, desde pequeninos, a escolher as nossas referências, a seguir os nossos ídolos, a venerar os nossos heróis. Precisamos de os acompanhar e o que mais queremos no mundo é ser como eles. Um conjunto de valores e de predicados é automática e gratuitamente transferido para a nossa personalidade, ao longo do tempo, sem que sequer o autorizarmos e sem que nos apercebamos disso.

O que acontece quando descobrimos que, afinal, todos essas qualidades e virtudes são bruscamente desmascaradas?

Em plenas comemorações do 104º aniversário do Sporting Clube de Portugal, algo inesperado e tenebroso aconteceu. 240 jogos oficiais depois, mais de metade dos quais como capitão e principal figura da equipa, João Moutinho, de 23 anos, troca o clube que o viu e fez crescer como profissional e como pessoa, por um dos maiores rivais: o F.C. Porto.

Ninguém pode questionar a vontade e ambição pessoal do jogador, sendo perfeitamente legítimo que seja esse o rumo que queira dar à sua carreira. Mas há maneiras e atitudes que diferenciam claramente uma tomada de posição. Antes de mais, dou o benefício da dúvida em questão ao forte litígio em que Moutinho entrou com a recente direcção. Pode ter havido algo muito grave e que não temos conhecimento. Mas, tal como Simão ou Quaresma, podia perfeitamente ter primeiro cumprido o sonho de jogar no estrangeiro, nomeadamente em Inglaterra e, posteriormente, voltar para Portugal, para um clube rival que, enfim, tanto o enamorou. Seria menos chocante, mas igualmente imperdoável.

A troca directa de clube é suficiente para sustentar o que pretendo transmitir. Era natural que Moutinho quisesse sair esta época, como já o vinha anunciando há 2 anos. E faz este mês 2 anos, precisamente, que explodiu na comunicação social o episódio do tão famigerado almoço entre João Moutinho, Pinto da Costa e outros empresários, incluindo o agente do jogador, o israelita Pini Zahavi. Na ressaca desse almoço, Moutinho manifestou a sua vontade de sair do Sporting, supostamente para o Everton, e Pinto da Costa referiu que João Moutinho era “um jogador à Porto”. Já deu para perceber que, como sempre, o Papa tinha razão.

O salto é questionável. Sai do 4º classificado para o 3º classificado na última época. É claro que a história recente do F.C. Porto é muito rica, mas é preciso acreditar que o projecto Villas-Boas se assemelha profundamente ao de Mourinho. Alguém lhe deu a volta à cabeça? Provavelmente. Se João Moutinho faz ideia das repercussões que a sua decisão está a ter? Duvido. Milhares de fans e seguidores, talvez milhões, miúdos e graúdos, estão inconformados e abatidos com esta novela. O ídolo de muitos é agora um grande vilão.

Era um risco. Já sabíamos de antemão que o Ser Humano é falível, corrupto e egoísta por natureza. Sabendo isso, seria sempre arriscado escolher um de nós terrestres para idolatrar e admirar. Mas é mais forte do que nós. Percebo agora que deveríamos apenas fazê-lo com um Deus, com uma personagem de ficção ou até com um desenho animado.

Porquê o Noddy? O termo “abram alas” é atingível dada a posição de impotência da inexperiente direcção, perante a vontade incompreensível e intransigente do jogador. Poderia ter compreensivelmente descido de nível, antes do começo desta crítica, nomeando-a de “Abram alas para o Judas”. Também serviria, mas preferi Noddy. É exactamente isto. Tirando as semelhanças visuais, que são pura coincidência, João Moutinho deixou de ser um homem para voltar a ser o adolescente inconsciente, impulsivo e irresponsável que essa fase tão bem assinala.
Irei também adoptar o termo já utilizado por muitos adeptos rivais: bebé chorão. É inquietante cada vez que Moutinho é travado em falta. O desespero e aflição estampados na sua cara de dor, enquanto se contorce ferozmente na relva, duas a três vezes por jogo, descredibilizam a honestidade que sempre o caracterizou e desrespeitam aqueles que têm realmente lesões com gravidade. É algo que sempre me perturbou e certamente me continuará a perturbar.

Naturalmente, caem por terra todas as admiráveis virtudes. Tendem a sobressair todos momentos em que louvámos a atitude guerreira e humilde de João Moutinho que, afinal, não passaram de pura aparência e ficção. Porém, existem valores morais aos quais não se desprendeu, o que ainda admiro apesar de tudo isto: a sua frontalidade, garra e rectidão. É apenas isso que subsiste.

Não querendo dramatizar ainda mais, nem invocar ao ódio nem à vingança a ninguém, fica sublinhado que, doravante, João Filipe Iria Santos Moutinho, ex-capitão do Sporting Clube de Portugal, é persona non grata para esse clube que representou entre 1999 e 2010 e, para mim, pessoalmente.

Ninguém está acima do clube. Ninguém está acima dos 104 anos de história e das mais de 14 mil conquistas desportivas, em 30 modalidades distintas, nem do palmarés arrepiante exposto no Museu Sporting. Ninguém evitará que os adeptos encham o estádio nos próximos anos e nas próximas décadas, apoiando a equipa que amam e que, fielmente, nunca trocarão por nada.

E é esta lealdade que ainda me faz ser deste clube apesar de tantas desilusões e fracassos. É a reputação internacional do Sporting, a nível desportivo, que me dá alento e coragem. É a aposta sucessiva e incansável na formação que me entusiasma e me faz acreditar que esta instituição tem futuro.

Somos ímpares, somos Alvalade. Sporting Sempre!

Jorge Batista

1 comentários:

Anónimo 8 de julho de 2010 às 23:21  

O texto está de tal forma bem escrito que não há nada que possa acrescentar. É neste momento que sinto a falta de um daqueles "gosto" que se utiliza no facebook.
Este - triste- acontecimento não poderia ter sido comentado de melhor forma e, por isso mesmo, muitos parabéns.