Na opinião de Paulo Garrido*

>> quinta-feira, 11 de março de 2010

O Modelo de Rateio Activo

Na vida partidária, em paralelismo com outros sectores de actividade, devemos manter permanentemente a capacidade de questionar certas realidades. Os modelos organizacionais dos Partidos, Institutos, Fundações e das Empresas são, tipicamente, ajustados para fazer face a características e problemáticas que são contextualizados no tempo. Faz parte do processo de evolução organizacional destas estruturas a obrigação de ajustar os modelos de gestão à realidade dos objectivos presentes.
Em período de campanha eleitoral interna e numa altura em que o Congresso se vai pronunciar sobre projectos de alterações estatutárias, existe uma questão que requer reflexão, carece de enquadramento estatutário e que parece condenada a ficar na lista de problemas conhecidos mas sem solução à vista.

Falo do problema de desvirtuação do princípio da democracia representativa como consequência do número muito extenso de militantes inactivos que existem hoje em dia no PSD.

São vários os casos de militantes inactivos. Muitos nem sequer são contactáveis. Outros, quando contactados, desconhecem a Secção a que pertencem, advogam não pagar quotas, não exercem o direito de voto e tão pouco participam em acções de campanha. São militantes, alguns por acidente, outros por favor, que não são interessados no Partido. Contudo, estes militantes têm a capacidade de influenciar decisivamente as eleições no PSD.

De facto este conjunto de militantes que não exerce conscientemente o seu dever de militância, ou o conjunto de militantes que desconhecem os seus deveres de militância têm capacidade eleitoral no PSD: Como? Utilizemos um exemplo aproximado que acontece no nosso Partido:

Uma secção com 1000 militantes, mas dos quais cerca de 600 são “fantasmas” vai a eleições. Elege 10 delegados ao congresso nacional ou 20 conselheiros distritais por força de ter 1000 militantes inscritos nos cadernos. Este resultado é independente do número de militantes que tenham votado no acto eleitoral.
Uma outra secção, com 500 militantes, mas dos quais apenas 50 são “fantasma” também participa do mesmo acto eleitoral. Elege 5 delegados ao congresso nacional ou 10 conselheiros distritais. Contudo, nesse acto eleitoral votaram 400 militantes da Secção.

Que conclusões podemos extrair da comparação dos resultados eleitorais nestas Secções?

Uma análise quantitativa diz-nos que na Secção onde 400 militantes expressaram a sua vontade foram eleitos metade dos delegados a congresso (ou conselheiros distritais) do que a secção onde votaram 10 militantes. Uma análise qualitativa diz-nos que o voto de 10 militantes de uma Secção é muito mais relevante do que o voto de 400 de outra.

Este exemplo, que não anda longe de algumas realidades vividas no nosso País, demonstra que o nosso modelo organizacional não qualifica a militância participada e activa num patamar superior ao da militância inactiva musculada. Constata-se que a presença deste género de militantes inactivos nas Secções ou Núcleos constituí um factor decisivo das geografias de poder dentro do nosso Partido. Há quem entenda que é mais importante ter muitos militantes, ainda que inactivos, do que ter muitos militantes activos.

O príncipio da nossa organização partidária assenta no conceito de democracia representativa. Ou seja, faz-se a representação de todo o Universo de militantes através de estruturas organizadas (Núcleos, Secções, Conselhos Distritais e Conselho Nacional) por uma pequena parte de militantes eleitos para o efeito. A questão de fundo que tem de ser resolvida coloca-se quando está demonstrado que os “militantes fantasma” distorcem e disvirtuam o príncipio da democracia representativa. O exemplo dado anteriormente é disso ilustrativo.

Existem consequências de ordem política que advém directamente desta fenomenologia de proliferação de militantes inactivos ou falsos militantes. Se é apenas o número de militantes que define o critério de representatividade de uma Secção, pois passa a ser justamente aumentar esse número (quantitativamente e não qualitativamente) a missão política de alguns dirigentes das mesmas. Não sendo per si um acto nobre filiar com este príncipio, não deixa de ser acção política. Interessa contudo, reverter o modelo. A Política deve sempre ser Nobre.

Dado este enquadramento devemos ser capazes de agir contra esta adulteração de príncipios de representativade democrática. E ao agir, temos de procurar outro tipo de enquadramento estatutário que nos permita garantir que é possível salvaguardar e promover o príncipio da democracia representativa dando mérito e valorizando quem é capaz de mobilizar, interessar e motivar os seus militantes.

No decorrer desta análise a proposta que entendo que dá resposta a este problema é uma alteração substancial no modelo de rateio que é hoje aplicado para o cálculo de delegados e conselheiros que cabem às Secções.

A proposta é simples: Um modelo de Rateio Activo. Proponho que o rateio seja feito posteriormente ao acto eleitoral, com base no cálculo de número de votantes por Secção em cada acto eleitoral. A premissa enunciada pretende garantir que quem mais votos totalmente deverá ser mais representado. Desta forma, torna-se imperativo a todas as Secções serem capazes de motivar e de mobilizar para que os seus militantes expressem verdadeiramente a sua vontade eleitoral. A relação Secção-Militante deixa der ser apenas no momento da concretização da filiação e tenderá a tornar-se estável e constante ao longo do tempo. É obtendo a expressão da vontade dos militantes que se deve concretizar a a representatividade das Secções. Este factor de competição é capaz, à semelhança da vida profissional, de nos levar à necessidade de todos, em conjunto, sermos capazes de nos exceder e de alcançar mais e melhor. Desta maneira ganham os militantes, ganham as Secções e fortalece-se o Partido com príncipios de exigência e mérito.

Esta solução tem um príncipio condutor muito claro. Pela afirmação da militância activa constrói-se o modelo de representatividade. É, nesse aspecto, absolutamente democrática, mas acarreta algumas condicionantes práticas previsíveis de natureza da fiscalização de resultados eleitorais. Sendo um modelo que “premeia” os números da votação é nesse sentido que o modelo tem de ser defendido. É de supôr que podem existir tentativas de iludir o sistema fazendo aparecer nos resultados das votações mais votos do que aqueles que na prática ocorreram. Isto transfere para a fiscalização do acto eleitoral uma importância absolutamente decisiva.

Há naturalmente mecanismos de garantia que se podem aplicar para a fiscalização do acto eleitoral de modo a assegurar “veracidade” do acto. Para além desta questão, há outras, de cariz operacional, que carecem ser postas à discussão. Neste momento o que me parece ser fundamental é discutir a aplicabilidade a curto prazo do princípio de rateio aqui enunciado.

Outro mecanismo que julgo que tem de ser conjugado com este é o da Refiliação. Uma vez efectuada, a Refiliação (que deveria ser imperativamente uma bandeira do próximo Presidente do PSD) permite “limpar” as listagens de militantes inactivos ou militantes virtuais. Contudo, se não existir uma definição de periodicidade obrigatória para este mecanismo, o efeito da Refiliação só não é mais do que usar um analgésico para minorar os efeitos de problema latente e que não ataca a origem do problema.

Por isso defendo que o próximo Presidente do PSD deveria assumir desde já um compromisso para com uma Refiliação assim que for eleito. Posteriormente deve implementar um mecanismo estatutário que permita defender uma militância activa sustentada e que não se socorra de um processo logístico com custos elevados para adiar a solução.

Cumpre fazer um esclarecimento fundamental. A ideia desta proposta não entra em conflito com a bondade e com a importância fundamental da filiação de militantes no PSD. Devemos, hoje em dia, ir mais além. Não basta filiar, é preciso fidelizar. Aquilo que se procura alcançar é um relacionamento mais saudável e durador entre os militantes e o Partido, através das Secções.

Combinar a Refiliação com o modelo de Rateio Activo, garantindo-se a verdadeira fiscalização dos actos eleitorais, significaria um passo importante de afirmação democrática de representatividade e de culto da meritocracia do trabalho de todas Secções.

É por estes príncipios que a JSD se deve sempre bater.

*Paulo Garrido é actualmente vice-presidente da secção Oriental de Lisboa. É licenciado em engenharia electrotécnica pelo IST.

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