Da pretensa inconstitucionalidade da "Lei da Rolha".

>> quinta-feira, 18 de março de 2010

Alguns constitucionalistas, donde se evidencia o Professor Jorge Miranda, apontam para a pretensa inconstitucionalidade da norma estatutária do Partido Social Democrata que sanciona os militantes que 60 dias antes de cada acto eleitoral se exprimam contra a liderança do seu partido. Outra parte da doutrina, donde saliento o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, considera que tal norma estatutária é conforme a Constituição da República Portuguesa.

A liberdade de expressão é um valor fundamental da nossa democracia, em que assenta o próprio conceito de Estado de Direito, pilar essencial da nossa Constituição. Mas será que esta norma coloca em causa a liberdade de expressão?

A adesão a partidos políticos, a clubes de futebol, enfim, a própria celebração de um contrato de trabalho com determinada empresa, tem como pressuposto a auto limitação de um conjunto de direitos, ou melhor, a admissão de que esses mesmos direitos possam ser adequados e moldados tendo em conta a especificidade da relação que se estabelece entre o individuo e a entidade com quem se celebra o contrato, com o clube em que tornamos sócios ou com o partido em que nos filiamos.

Os militantes de um partido ao aderirem a esse partido conhecem as regras, os direitos e os deveres a que ficam adstritos. Todo e qualquer militante que se inscreva no PPD/PSD a partir deste momento, sabe que será sancionado, no caso de, publicamente, atacar os militantes do PSD que em sua representação disputam eleições externas, no período, imediatamente anterior à realização desse acto eleitoral. E os militantes já filiados? Estaremos em presença de retroactividade e consequente inconstitucionalidade? Não. Seria um estatuto retroactivo no caso de se ir punir com sanções os militantes que em data anterior à entrada em vigor dessa norma tiveram esse tipo de conduta. O Estatuto dispõe para a frente, pelo que, desse ponto de vista é perfeitamente constitucional.

Mas seria inconstitucional a supressão da liberdade de expressão, mesmo que num segmento de tempo bem delimitado, tendo em conta o superior interesse do partido politico em que nos inserimos? Deixa-me dúvidas. Todos os direitos fundamentais são limitados e restringidos, não sendo a sua esfera de aplicação absoluta. O Jogador de Futebol, restringe a sua integridade física ao se dedicar a essa actividade, o militar que vai para a Guerra voluntariamente coloca em risco a sua vida e integridade física, e muitos constitucionalistas apontam que a solução dada ao problema da Interrupção Voluntária da Gravidez é também uma solução de prazos, onde num primeiro momento se protege apenas o livre desenvolvimento da personalidade da mãe (até às 10 semanas), desprotegendo-se a vida intra-uterina, um segundo momento onde se protegeria a vida da mãe, a integridade física e psíquica da mãe face à vida do feto e um último momento onde seria a vida do feto totalmente protegida e desprotegido o livre desenvolvimento da personalidade. Enfim, provavelmente uma total supressão de liberdade de expressão num prazo delimitado, seria ainda constitucional. Mas é disso que se trata? Não me parece.

O que está em causa nem sequer é a supressão da liberdade de expressão. Os militantes podem manifestar a sua opinião, em Conselhos Distritais, Conselhos Nacionais, Congressos, Assembleias de Secção, enfim, num conjunto de fóruns internos onde podem livremente e com toda legitimidade fazer as criticas que entenderem à liderança do partido, nem que seja em véspera de eleições. A liberdade de expressão não é afectada. O que se proíbe aqui, é que um determinado militante, que faz parte dessa organização, não prejudique essa mesma organização com declarações na comunicação social.

A liberdade de expressão é aqui moldada, mas reparem, a situação é a seguinte: Determinada pessoa livremente filia-se em determinado partido, aceitando as condições que esse partido lhe oferece, isto é, os direitos e os deveres dos militantes, podendo criticar todos os órgãos desse partido, publicamente até 60 dias antes das eleições, e em todos os fóruns internos do partido (que funcionam periodicamente) a todo o tempo. Existe aqui uma sintética restrição, mas perfeitamente admissível no juízo valorativo que é necessário fazer quando existe uma colisão de direitos.

A liberdade de expressão é, por exemplo, muitíssimo mais restringida em casos de segredo de Justiça. E faz sentido que assim o seja, existe determinado direito que se sobrepõe e que limita o direito da liberdade de expressão. Da mesma maneira, a liberdade de expressão é limitada pela impossibilidade de difamar ou injuriar outrem. Podia dar-vos muitos outros exemplos. Lembro-me, da limitação a que se submete um jogador de futebol em não poder, por exemplo, ir para uma discoteca em véspera de jogo, sob pena de processo disciplinar e expulsão do clube. Ou mesmo, em sede de partidos políticos, o militante não tem o direito de fazer parte ou sequer apoiar uma lista candidata contra a lista do partido político, limitando-se a sua liberdade, e ninguém levanta problemas de constitucionalidade quanto a esse tema.

Assim, neste caso, salvo o devido respeito por melhor opinião, parece-me completamente desajustada a conclusão pela inconstitucionalidade desta norma. A sua valoração não deve ser jurídica, mas sim política. Pode-se discutir, se politicamente é correcto determinado partido ter esta norma. Mas não há aqui qualquer violação de um direito fundamental e nenhuma desconformidade com a CRP.

1 comentários:

António Lopes da Costa 22 de março de 2010 às 17:45  

Concordo contigo, em relação à conformidade entre a alteração estatutária e a Constituição.

Na minha opinião, não tem rigorosamente nada que ver com o princípio da irretroactividade da lei, já que eventuais violações à nova redacção só são puníveis desde o momento em que a mesma entrar em vigor.

O que está em causa, ou poderia estar em causa, é a liberdade de expressão e na interpretação do mesmo. E, nesse sentido, tudo depende do conceito que cada um tiver da mesma.

Ora, a liberdade de expressão, sendo um conceito amplo, não permite necessariamente que se diga tudo o que se quer.

É o caso de eu dizer que o sujeito B matou alguém quando não matou. Além de não ser livre de o fazer, estaria mesmo a cometer um crime, se o fizesse.

É o caso de A, empregado de B, criticar publicamente a empresa de B, favorecendo a empresa C, que era concorrente. É inconstitucional a norma que permite, nessas circunstâncias, o empregador despedir o empregado?

Parece-me evidente que não.

O que aconteceu com os estatutos do PSD é um caso análogo a este exemplo que me parece flagrante e claro.


Um abraço