A Escaldar, por Nélson Faria

>> segunda-feira, 27 de abril de 2009

5ºTema - Maternidade de Substituição



Esta é uma matéria em que tenho mais dúvidas que certezas. Ainda assim, e com bastantes pontos que precisavam de um outro e mais aprofundado conhecimento, não deixo de colocar esta matéria à luz e ter em conta várias perspectivas: o dilema de quem quer ter um filho, a visão do que é um filho, a frustração tecnológica, o envolvimento de um terceiro.

Os avanços prodigiosos da medicina colocam-nos mais e mais dilemas morais, e estando nós ainda zonzos pelo prodígio e deslumbrados pelas possibilidades, o seu escrutínio é quase inexistente. Mas este exame, esta avaliação, é indispensável para a humanização da ciência e práticas análogas para que não se perca o seu centro: o serviço à humanidade de forma humana.

Antes de entrarmos directamente na maternidade substitutiva, permitam-me um apelo: há milhares de embriões que são destruídos por serem excedentários ou que são usados para investigação científica. Tal prática é absolutamente inadmissível. Com a concepção, ou o embrião é um ser humano e é uma atrocidade usar humanos para investigação científica, ou nunca o será de todo e o resultado não será um humano.



A maternidade é um acto de amor e um testemunho de fé e confiança no futuro. E durante toda a história da procriação estávamos sujeitos aos limites naturais dos nossos corpos. Com o avanço na biomedicina tal tempo terminou: temos formas de ajudar muitos casais que impossibilitados por condições físicas, tenham frutos do seu amor. E isso é uma óptima, tremenda, fantástica notícia.

Infelizmente, temos crianças de sobra com falta de amor. Para os que não são capazes de ter filhos, talvez devessem ver nessa dificuldade um convite a amar muito alguém que foi negado. Mas temos de compreender que gerar, ou ver gerado, alguém que partilha identidade genética é uma ambição universal. Se temos a tecnologia, é cruel não a usar. Mas usar a tecnologia não é sinónimo de recorrer a todos os expedientes para satisfazer o desejo de um; devemos lutar para que a maternidade continue a ser um acto de amor íntimo e não mercantilizado.

Quando falamos de maternidade substitutiva referimo-nos à entrada de um terceiro que será a incubadora de um embrião que não é seu, que irá gestar um ser humano e, no final da gravidez irá cedê-lo. Sou-vos franco: causa-me algum incómodo. Temos de encontrar uma forma de não tornar esta prática um negócio, e circunscrever esta hipótese a quem se vê impedido por condições naturais a ter filhos: não porque não quer passar pelo incómodo da gravidez, não porque receia prejudicar a sua “figura”, mas porque fisicamente se vê impedido de o fazer.



Temos de teimar em humanizar e a centrar a procriação num acto de amor, e não num desejo aleatório, preferência ou apetite. Provavelmente, até deveria ser indicado que a “mãe substituta” fosse alguém da família ou ente próximo, para que o laço comunitário não se esvaísse e a pessoa que ajudou a criança a vir ao mundo não fosse eliminada do mundo dos afectos.

Valores familiares e não barriga de aluguer. Poderão dizer-me que acolhendo o material genético de um casal, mesmo que seja contra vencimento, continua a manifestar um intenso sinal de amor. Talvez, mas devemos preferir os laços de amor fraternais. Devemos permitir que o avanço tecnológico continue a nos apresentar soluções, mas sem práticas que impliquem instrumentalizar a vida de outros.

3 comentários:

Ana 28 de abril de 2009 às 15:28  

Não sou completamente contra as barrigas de aluguer... Mas acho que há sempre outra solução para os casais que têm o dilema de querer ter filhos e não conseguir: a adopção. Há N crianças à espera de serem adoptadas e amadas... Porque não a adopção?!

Sou aluna de Enfermagem e estou neste momento a estagiar em Obstetrícia. No outro dia, deparei-me com uma utente que tinha dado à luz o seu oitavo filho. Os outros sete filhos que a senhora teve foram retirados pela assistente social por falta de condições, sendo que este oitavo filho ia para o mesmo caminho que os outros, para uma instituição. O puto era lindo, saudável. Porque é que casais que não podem ter filhos não haveriam de o adoptar? Percebo que a vontade de um casal seja a de ter um filho seu, biológico, e que se gastem fortunas em métodos de fertilização para o conseguir ter. Há sempre aquele medo de ser apagado da existência, por não se conseguir dar continuidade biológica da família. Mas uma criança é um ser humano, consegue dar e receber Amor mesmo não tendo os mesmos genes que o casal de quem o cria. Consegue ser um filho e consegue reconhecer o Amor que lhe é dado. A única coisa que marca a diferença entre um filho biológico e um filho adoptado e amado é apenas um código génetico, nada mais. E penso que qualquer casal que queira ter filhos deveria conseguir ultrapassar esse estigma, essa barreira genética. Porque o Amor, o querer dar, ultrapassa isso tudo.

As barrigas de aluguer são uma solução da ciência, pois que é. Mas não sei até que ponto não acabaria, se fosse legalizado em Portugal (e com a crise de valores que existe), por se tornar num serviço, num negócio. E acredito que muitas mulheres tirariam partido disso.

Ana 28 de abril de 2009 às 15:30  

*de querer ter filhos e não conseguirem

Anónimo 29 de abril de 2009 às 15:16  

Um receio manifestamente bem fundado.

Concordo contigo: os casais que não podem ter filhos deviam ver nesse facto um convite a amar aqueles a quem o Amor foi negado. Mas a compulsão reprodutiva é demasiado forte lol