Na opinião de Pedro Mendonça*

>> domingo, 22 de março de 2009

Mãos de Quim levantam Taça
que Lucílio ajudou a conquistar



Quem gosta de futebol, futebol puro, com momentos de genialidade, dribles fantásticos e golos memoráveis, futebol de sistemas tácticos interessantes em que o ataque se sobrepõe à defesa e que a razão se sobrepõe à emoção, com protagonistas de eleição que decidem jogos, finais e Taças terá de estar desiludido com o desfecho do Sporting-Benfica de ontem à noite. Não pelo vencedor ou pelo vencido, mas sim pela forma como foi decidida a partida.

Desapaixonadamente e racionalmente, mal vai o futebol quando um árbitro tem papel fundamental no resultado final de um encontro, no caso, na final de uma competição. Poderão dizer os benfiquistas: «Mas não foi o árbitro que falhou as grandes penalidades» ou ainda «mas o Reyes até podia ter falhado». Certo. Mas foi Lucílio Baptista que assinalou um penalty inexistente - que só ele viu -, virou um jogo que até então estava a ser controlado pelo Sporting, reduziu os leões a dez unidades e empurrou o Benfica para a conquista de uma competição que lhes poderá salvar a época – se é que tem salvação. O árbitro errou. Um erro gigante que não tira a felicidade do conjunto de Quique, mas que não cala a revolta dos homens de Paulo Bento. Um erro que empobrece o futebol português, um erro que deixa triste aqueles que gostam do verdadeiro futebol e que volta a manchar uma competição que tarda em afirmar-se em Portugal

NUNO VOLTA A FALHAR
Contudo, antes do minuto 73, houve futebol típico de derby. Emoção, muito pulmão, ainda mais coração e muito pouco cerebral. O normal, portanto. Começou melhor o Benfica, surpreendendo com a colocação de Amorim no miolo, ao lado de Katsouranis, abrindo Aimar na esquerda, Reyes na direita, e Nuno Gomes no apoio a Suazo. Uma frente de ataque muito móvel que baralhou a defesa leonina, presa de movimentos que, aos 4 minutos, viu Nuno Gomes isolar-se na cara de Tiago, mas, mais uma vez – já tinha errado com o V. Guimarães -, o avançado foi displicente e não atirou para o fundo das redes. Houve mais dez minutos de Benfica, com alguns cruzamentos perigosos, contudo, aos poucos, o Sporting encaixou no adversário e começou a ganhar o meio-campo, com Vuckevic a desequilibrar e quase a oferecer o golo a Liedson (16) salvo por David Luiz. Daí até ao intervalo, uma bomba de Moutinho, muita luta a meio-campo, muitas faltas (muitas não marcadas por Lucílio Baptista), bastante encaixe e mau espectáculo.

O RUGIR DO LEÃO
No segundo tempo, surgiu em campo um leão poderoso, quase faminto e decidido em conquistar um troféu que havia deixado escapar na época passada. 48 minutos, cruzamento de Caneira, Liedson antecipa-se a Miguel Vítor, atira ao poste e, na recarga, Pereirinha, uma das surpresas no onze, faz golo. 6 minutos depois, Quim desvia para canto um cabeceamento de Polga e os sinais de perigo desapareceram.
O Benfica voltou a mostrar que não tem soluções para procurar inverter um resultado, o Sporting provou que sabe segurar um resultado que lhe é favorável. Este foi o filme até ao minuto 73, porque depois foi o Lucílio Baptista o actor principal de um filme que só passou na cabeça do juiz, assinalando uma grande penalidade por suposta mão na bola de Pedro Silva – a bola quanto muito tocou-lhe no peito – lance que viria a valer a expulsão do brasileiro e a originar o golo dos encarnados, marcado por Reyes.
A jogar com mais uma unidade, e com a magia de Di Maria à solta, que já havia entrado, o Benfica carregou um pouco mais, sem muita convicção, diga-se, rondou a área adversária, mas o empate iria verificar-se até ao final dos 90 minutos.

UM ABRAÇO QUE DIZ TUDO
No desempate por grandes penalidades, nota máxima para Quim. Relegado para o banco por um erro no jogo com o V. Setúbal, o internacional português voltou a brilhar, defendeu três grandes penalidades e foi o responsável pelo primeiro – quiçá o último – troféu do Benfica esta temporada. Com classe, o guarda-redes disse presente, fez três defesas enormes e libertou uma águia que não voava há cinco anos.
No final, Quique Flores correu para Quim, abraçou-o e, em bom castelhano, agradeceu-lhe a conquista da Taça. Um abraço sentido, até porque, com esta conquista, a renovação contratual do espanhol já deve estar em cima da mesa. A ver vamos.

O ÁRBITRO
Péssimo. Um erro que decide uma Taça, muito tempo a mostrar cartões, análise errada na abordagem de alguns lances e uma arbitragem para esquecer naquela que, disse o juiz, seria a partida mais importante da sua carreira. Para esquecer...


A EQUIPA DO SPORTING
4x4x2

Tiago (7)
Impediu o golo de Nuno Gomes, desviou um livre de Aimar, defendeu uma grande penalidade do argentino e ofereceu a segurança necessária à equipa.

Pedro Silva (5)
Lateral ofensivo deixa por vezes descoberta a zona defensiva. Obrigado a parar Aimar em falta algumas vezes, está no centro do jogo por uma grande penalidade que não cometeu.

Carriço (6)
Seguro. Percebe-se porque sentou Tonel no banco. Os 20 anos não são sinal de imaturidade. Foram raros os lances que perdeu.

Polga (5)
Ainda se sentem resquícios do jogo de Munique. Lento na abordagem de alguns lances e a demonstrar alguma intranquilidade. O lance que quase deu golo a Nuno Gomes é prova disso.

Caneira (6)
Controlou Reyes e ainda teve força para ajudar o ataque. É dele o cruzamento que origina o golo do Sporting.

Rochemback (6)
Está mais leve e finalmente na posição certa. O poder atlético permite-lhe controlar muitos lances no meio-campo. Falhou uma grande penalidade.

Pereirinha (6)
Discreto. David Luiz secou-o e só não o parou no lance do golo, numa recarga oportuna.

João Moutinho (7)
Não sabe jogar mal. É o motor da formação leonina e o combustível que a equipa precisa para carburar. Esteve perto do golo no primeiro tempo, ao atirar uma bomba defendida por Quim.

Vuckcevic (7)
Inconformado. Lutou até ter forças e agitou o ataque do Sporting. O melhor “reforço” de Inverno da equipa de Alvalade.

Derlei (5)
Preocupou-se mais com quezílias que em jogar futebol e quem perdeu foi o ataque verde-e-branco. Falhou uma grande penalidade.

Liedson (7)
O levezinho deixou em sentido Luisão, criou alguns lances de perigo na área adversária. Atirou ao poste no lance que viria a ser concretizado por Pereirinha.

Abel (4)
Entrou para fechar a direita, numa altura em que Di Maria já estava endiabrado

Romagnoli (5)
Entrou para marcar a grande penalidade. Missão cumprida.

Postiga (-)
Ao contrário do argentino, o ponta-de-lança português não foi capaz de bater Quim.

A EQUIPA DO BENFICA
4x2x3x1

Quim (8)
Deu alguns sinais de intranquilidade no início da partida, mas depois cresceu, evitou o golo duas vezes e foi herói ao defender três grandes penalidades. Foram as suas mãos que levantaram a Taça.

Maxi Pereira (6)
Raça. Muita raça. O defesa-direiro não vira a cara à luta e equilibrou nos duelos com Vuk.

Luisão (6)
Ganhou inúmeras bolas em lances nas alturas, bateu várias vezes Liedson, mas denotou algumas dificuldades no passe.

Miguel Vítor (6)
Certinho. Não teve problemas em marcar Derlei, já que o avançado não esteve propriamente interessado em jogar futebol.

David Luíz (7)
Não acusou o facto de defrontar o Sporting, adversário com quem tinha acumulado erros há poucas semanas. Exibição bem conseguida, secando Pereirinha e mostrando-se bastante ofensivo, ajudando aos desequilíbrios na esquerda.

Ruben Amorim (5)
Jogou na sua posição de raiz, no miolo, mas não deslumbrou.

Katsouranis (6)
Muito importante na primeira fase de construção de jogo ofensivo do Benfica, não foi tão acutilante como em outros jogos, mas muito por culpa de Moutinho. Mal marcada a grande penalidade.

Reyes (6)
Desequilibrador nato. Ora na direita, ora na esquerda, desgasta bastante os defesas adversários. Tem um tiro que passa a centímetros da baliza do Sporting e marca o golo que mantém o Benfica na luta pela Taça.

Nuno Gomes (5)
Displicente na forma como atirou a bola aos 4 minutos, falhando um golo fácil de concretizar. Lutou muito, mas produziu pouco.

Aimar (6)
Com a bola nos pés é dos melhores, abrindo espaços que mais ninguém consegue abrir. Capacidade de passe acima da média, pena é que não ajude a defender.

Suazo (5)
Ganhou faltas, fez alguns sprints, mas... onde anda o avançado decisivo do início do campeonato?

Di Maria (6)
Começou no meio e acabou na esquerda. Meia hora de desquilíbrios e muita velocidade no ataque encarnado.

Carlos Martins (6)
Um passe de morte, boa ocupação dos espaços e uma grande penalidade que levou o Benfica a conquistar a Taça da Liga.

Cardozo (5)
Entrou para marcar uma grande penalidade e fê-lo com classe.


OS TREINADORES – 3 frases

Paulo Bento (Sporting)

«Apareceu um fenómeno que era difícil controlar. Nem jogadores nem treinadores conseguem. Delineámos uma estratégia para combater uma boa equipa. Não conseguimos delinear uma estratégia para combater outra equipa, que embora tenha menos elementos, parecem que são mais»

«Queria deixar um apelo: que nos deixem pelo menos lutar pelo nosso grande objectivo. Que dependa só de nos disputar o acesso à Liga dos Campeões, pois noutros anos já tentaram que isso não acontecesse. O Sporting é prejudicado porque não faz parte deste filme. Eu não vou fazer parte deste filme. Tiraram-nos tudo num minuto. Tiraram-nos um troféu, dinheiro e um jogador. E vão passar impunes, utilizado a desculpa que, com a televisão, eram melhores árbitros. Eu também era melhor treinador pela televisão, e os jogadores também. Não acredito que isto vá melhorar»

«Não tenho a medalha que devia ter. O troféu vai para outra vitrina, que não a que devia, com todo o respeito pelo que o Benfica fez. Temos menos dinheiro também, pois ganhar dava mais. Roubaram-nos tudo. As nomeações são uma afronta ao Sporting. Tinha a secreta esperança que o Lucílio não se aleijasse, para não entrar o outro, que nos dirigiu frente à Naval e ao Marítimo. Afinal vale a pena rejeitar uns e pedir outros. Não sou desse filme. Sou feito de outra a massa. Se me disserem que não vou ser campeão mas continuo assim, eu assino por baixo»

Quique Flores (Benfica)
«Parece incrível que possam fazer a análise da temporada assim. Se tivéssemos ganho ao V. Guimarães diziam que a temporada era muito boa. Não há só o pólo norte e o pólo sul. Há coisas pelo meio.»
«Não penso que seja preciso um título para dar estrutura. É esta a dinâmica que queremos. Os resultados podem criar desilusões, mas não podem mudar tudo. Amanhã vamos ter os benfiquistas muito contentes, com mais um troféu na vitrina. A equipa técnica vai ter a mesma identidade, como teria se tivesse perdido.»
«Continuamos empenhados no título da Liga, mas primeiro há que recuperar o lugar de acesso à Liga dos Campeões, e depois lutar pelo título até final. Não há outro cenário que não seja trabalhar até final. A crítica também está relacionada com a grandeza do Benfica»


*Familia à parte, uma honra, ter a análise do Derby, feita por um dos mais conceituados jornalistas desportivos da actualidade.

2 comentários:

Anónimo 22 de março de 2009 às 20:00  

Um texto muito bem escrito, tive bastante gosto em lê-lo. Está uma grande análise ao jogo, não tiro uma palavra. Parabéns.

Sou Sportinguista de alma e coração e só eu sei o que me custou ver o Sporting perder este jogo da maneira como o perdeu.

Não foi de facto um bom espectáculo de futebol, o jogo em si foi muito fraco. O empate secalhar era o mais merecido na relação de jogo jogado e oportunidades criadas. Mas mais uma vez, entre tantas outras, um jogo de futebol teve o resultado diferente por causa da incompetência de um arbitro. Não teria nada de escandaloso, não fosse o "bandeirinha" afirmar vezes sem conta que não havia motivos para grande penalidade, sendo que o fiscal de linha estava numa posição melhor para julgar o lance. Mas o arbitro do alto de todo o seu poder, não muda de opinião.

É frustrante, muito frustrante perder assim. Foi um fake derby que de bonito só teve as palavras do Paulo Bento na flash interview. Tenho dito !

Tiago Mendonça 22 de março de 2009 às 21:57  

Parece que o arbitro não terá dito que não era penalty, mas antes que não viu. E o outro assistente, disse que era. São erros que acontecem.

Lucilio, muito bem, ao vir à televisão assumir o erro.

Quanto ao resto, há pelo menos 4 lances que talvez fossem merecedores de vermelho.

Reyes e Moutinho, com mais reservas, Polga e Pedro Silva uns minutos antes, sem duvida.