Ricardo Araujo Pereira - Chama Imensa I

>> segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Este um texto publicado por RAP no Jornal A Bola, na sua crónica de Domingo:

A Chama Imensa - A mulher de César e o marido da Filomena

«À mulher de César», disse César referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, à semelhança de Jardel, «não lhe basta ser séria. Também deve parecer séria.» Felizmente, no futebol português, não é preciso ser nem parecer nada. Quando, no final do Trofense-Benfica, Hélder Barbosa disse que estava «feliz por ter ajudado o Porto», estranhei. Barbosa, recordo, é jogador do Trofense. É certo que está na Trofa por empréstimo do Porto, mas está inscrito como jogador do Trofense, joga no Trofense e, em princípio, deve ajudar o Trofense. Se está no Trofense para ajudar o Porto, isso significa que, em cada jornada, o Porto entra em campo com mais do que os onze jogadores que compõem a sua equipa — o que, ao que parece, é proibido.

Pronto, disseram os meus amigos. Lá vem o exagero. Que mal tem a felicidade do rapaz por ter ajudado o clube a que está ligado contratualmente? Em tempos de crise, há que agradar ao patrão. Se contribuir para o êxito do Porto, pode ser que regresse ao clube em Junho, no final da época. E foi então que se realizou o Porto-Setúbal para a Taça da Liga. Primeiro, Bruno Vale, o guarda-redes do Setúbal (que já foi internacional A), deixou escapar uma bola fácil directamente para a cabeça do avançado do Porto, que fez o 1-0. Já disse que Bruno Vale é jogador do Porto e joga no Setúbal por empréstimo? Esqueci-me. Fica a informação. Depois, a cinco minutos do fim, com o resultado em 2-1 para o Porto, o árbitro assinala um penalty a favor do Setúbal. Para marcar, foi chamado o jogador que no ano passado se chamava Leandro Lima e tinha 20 anos, e que este ano se chama George Lima e tem 23. A única informação fidedigna de que dispomos sobre o jogador em causa é que está no Setúbal por empréstimo de outro clube. Qual? Deixem-me só consultar os meus apontamentos, que eu não posso saber tudo. Cá está: surpreendentemente, é o Porto. O leitor não adivinhava nem que estivesse dois anos a tentar, pois não? Ora bem, o jovem (ou já mais ou menos experiente) jogador chamado Leandro (ou George) foi marcar o penalty e, por azar, chutou ligeiramente por cima da barra. Refiro-me à barra que suporta as luzes do estádio, junto à cúpula. A bola também passou por cima da barra da baliza e, se houvesse um prédio de sete andares erigido sobre a linha de golo, é provável que passasse igualmente por cima dele, sem tocar nas antenas.

Nesse momento, os meus amigos telefonaram-me. «Eu não sabia que a crise estava assim tão má», disse um. «Esqueci-me da abertura do mercado. É possível voltar ao Porto já em Janeiro», disse outro. A mulher de César não durava cinco minutos no futebol português.

3 comentários:

Pedro Jesus 26 de janeiro de 2009 às 11:35  

O Rui Santos, jornalista e comentador, que devo confessar não é dos meus favoritos, levantou as mesmas questões na semana passada.

O processo "Apito Dourado" ainda vai longe do fim... Será que não começamos a ter os casos "Jogador Dourado"?

Tiago Mendonça 26 de janeiro de 2009 às 12:09  

Temos um problema grave no futebol, que é também um problema do país. A corrupção.

Quanto ao texto em si, é incrível a quantidade de jogadores emprestados e de treinadores próximos do Futebol Clube do Porto. Está tudo minado.

Pense-se no erro do penalty do jogador do Nacional e veja-se onde ele estará daqui a uns tempos. Relembremo-nos do Leiria-Porto (julgo que para a Taça de Portugal ou para a Supertaça) onde o Helton deu um frango monumental, enquanto ainda defendia as cores do Leiria, num jogo ante o Porto. E pense-se nos jogos que Rolando fez, pelo Belenenses, contra o Porto.

Podia ficar aqui a dar exemplos. Muitos exemplos. Quando o Trofense empatou com o Benfica, Helder Barbosa, afirma que foi bom ajudar o Porto.

Enfim.

Tibério Dinis 26 de janeiro de 2009 às 19:23  

Está boa! Esqueçem-se de referir que o Porto é a equipa com maior poderio economico e com activos preciosos.

Quando temos uma equipa a varrer por completo portugal nos últimos 20 anos e com uma mão cheia de títulos europeus, é claro que se criam activos humanos. Sendo Portugal um país pequeno e sem equipas de dimensão internacional, excepto o Porto, esses activos humanos acabam por ficar sempre ligados ao Porto. Não temos culpa dos restantes clubes não conseguirem capitalizar os seus recursos.

Que querem que se faça aos campeões de viena, e à geração que agora agarra o lugar de treinador (Domingos, Jorge Costa, etc)? Que estejam no desemprego, ou têm que ir para o estrangeiro?

O Porto é a melhor equipa portuguesa a fazer render os seus activos, tem que ter uma equipa competitiva a nivel internacional - porque nacional, mesmo com equipas da treta como em 05 conseguimos estar na luta até à ultima jornada! - e rodar os jovens jogadores.

Vejam a selecção, o FCP anos após ano, coloca jogadores na selecção, vende-os e re-coloca outros novos jogadores. O SLB e SCP colocam sempre os mesmos. Neste prisma, metade da selecção tem também uma ligação afectiva ao Porto.

Se quiserem acabar com os jogadores emprestados, força, o problema é que as equipas pequenas simplesmente desaparecem. Veja-se que os melhores jogadores das equipas pequenas, são emprestados pelos grandes.

O FCP não tem culpa de estar num campeonato inferior à sua dimensão e que os seus rivais não consigam capitalizar os seus activos.

Haja Saúde