Caracterização da Sociedade Contemporânea, por Ana Merícia Turiel

>> terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Actualmente, vivemos na época do “ter” e somos catalogados exactamente pelo que temos e pelo que não temos. Basta pensar na roupa que envergamos. Olhamos para a direita e vemos um jovem com “rastas” no cabelo e tatuagem no pé. Automaticamente, somos capazes de fazer uma “análise” do sujeito: fuma droga, é desleixado e nem deve saber o resultado da soma de “dois mais dois”. Olhamos para a esquerda e reparamos nas pernas depiladas e hidratadas de um homem. De imediato o colocamos a categoria de metrossexual. Se é moda usar ténis All Star, a criança ou o jovem vão chegar a casa e pedir mais um par de ténis aos pais endividados, argumentado que é o que todos os amigos usam e que serão gozados se em vez disso comprarem uns ténis sem marca. Esse pai endividado vai à janela e repara no novo BMW que o vizinho comprou e a primeira coisa que pensa é de que maneira poderá contrair mais um crédito para conseguir comprar um igual, mas noutra cor, para marcar a diferença. A mãe endividada decide fazer mais uma lipoaspiração porque aumentou mais 3 kg desde o ano passado. Ou seja, vivemos numa sociedade que é caracteristicamente demarcada por ser uma sociedade de modas, aparências e de consumo desenfreado que engloba um conjunto de indivíduos, consumidores activos, que vivem em prol da aquisição desnecessária de bens não duráveis e fúteis.

Por outro lado, somos privilegiados por termos à nossa disponibilidade tecnologia cada vez mais avançada e isso sim, é uma das maiores inovações da sociedade contemporânea. Vivemos numa época única a nível da evolução científica e tecnológica. Logo após a primeira Revolução Industrial, que permitiu substituir o esforço físico dos seres humanos por máquinas e sistemas mecanizados, ocorreu a segunda Revolução Industrial, depois da Segunda Grande Guerra, que veio substituir, e reforçar, o esforço intelectual através de maquinas como os computadores e telecomunicações.

Actualmente, temos ao nosso dispor telemóveis de topo, computadores cada vez mais portáteis e até casas inteligentes cuja porta de entrada se abre com a impressão digital. Porém, é triste verificar que os estudantes lêem cada vez menos e por isso talvez não saibam ler nem escrever. Isto porque passam horas em frente ao ecrã do computador a actualizar o Hi5 e o Facebook, com imensas fotos e vídeos deles próprios e dos seus amigos, escolhidas ao pormenor, mostrando o quão felizes e venerados são por todos. Acho verdadeiramente fascinante vivermos num mundo globalizado, onde, entre outras coisas, temos a possibilidade de nos relacionarmos, ainda que virtualmente, com uma quantidade exorbitante de pessoas, desde a China até ao Brasil. Talvez seja por isso que nos esquecemos de passar, pelo menos, um serão com os nossos pais ou ir visitar um amigo que está hospitalizado. O individualismo exacerbado, cultuado como pressuposto para o sucesso laboral, das relações pessoais e na vida como um todo, tem levado, a um crescimento galopante da solidão e do medo.
A violência é outro tema tão abordado, nos nossos dias, e tão explorado pelos meios de comunicação social. Não acredito que a violência exista em maior dimensão, mas sim que tenha adquirido uma maior visibilidade, através da constante divulgação por parte do media, responsáveis por projectar para as luzes da ribalta, de forma gratuita, todas as formas possíveis de violência. Na minha opinião, é ridícula a mediatização que se faz com a morte de alguém que por acaso aparece na televisão regularmente e cujos ossos do oficio a obrigam a ser reconhecida perante milhares de pessoas. É também assustador saber que um grupo de miúdos, ainda adolescentes, espancou até à morte um travesti, apenas porque era diferente e porque lhes apeteceu. A insegurança face ao aumento da delinquência, à crise de emprego, ao número de assaltos, à facilidade e naturalidade com que se encosta uma arma ao peito de outro e de dispara para roubar 200 euros, a competitividade, o egoísmo, o desrespeito pelos idosos e crianças, a exploração sexual são tudo realidades da nossa sociedade actual.

Dizem que o nosso mundo é civilizado mas a verdade é que vivemos num mundo selvagem. O sistema capitalista beneficia poucos, não distribui riquezas e daí nunca ter existido tanta desigualdade social. Para cada rico, há milhares de pobres e estes são cada vez mais.

É de equilíbrio que a sociedade actual necessita.

2 comentários:

Ana Suwa 2 de fevereiro de 2010 às 23:55  

Nem eu descreveria melhor. O último parágrafo diz uma verdade inegável. Equílibrio - deseja-se - apesar de todas as mudanças e evoluções. Parabéns pelo texto (almost mestre) Merícia :)

Inês 3 de fevereiro de 2010 às 14:10  

Gostei muito do teu texto Merícia =)
E concordo completamente. Às vezes sinto que as pessoas, de um modo geral, voltaram a sentir medo de falar do que é realmente importante e do que está mal na sociedade, ou então não querem "parecer mal" perante os outros. Em compensação, somos capazes de reclamar com as coisas mais básicas e insignificantes do dia-a-dia.
Perdeu-se a noção de prioridades.
Há que reconquistar a confiança em nós e nos outros, porque é possível mudar.