Contadores de Histórias, por João Canelo*
>> quinta-feira, 9 de abril de 2009
Todos nós contamos histórias, sejam acontecimentos do nosso dia-a-dia ou aquelas fábulas infantis passadas de geração em geração. É impossível para nós, seres humanos, passarmos uma vida inteira sem contarmos uma história, sem nunca fascinarmos um grupo de amigos ou levar connosco um grupo de pessoas através da nossa imaginação. Tendo isso em conta, o mundo das histórias evoluiu de um simples "recontar de acontecimentos" para métodos mais específicos e quase clínicos relacionados com a sua construção. Uma história tem de ser construída, usar bases sólidas e ser composta pelos materiais correctos para que possa resistir tanto ao teste tempo como à própria qualidade.
No entanto, todos contam histórias. Podem muito bem chegar ao pé de um dos vossos familiares e pedir-lhe para contar um acontecimento do passado. Sem que se apercebam, em muito pouco tempo estarão a ouvir uma história que vos fascinará e prenderá a vossa atenção. O meu pai, por exemplo, é um excelente contador de histórias, das pessoas que eu mais gosto de ouvir contar uma história. Contudo, nem o meu pai nem o vosso familiar algum dia pensaram em como haveriam de contar aquela história, como estruturá-la ou organizar os eventos de forma a prender a vossa atenção. As suas experiências passaram a ser histórias contadas em reuniões de famílias, aventuras divertidas que vocês gostam de ouvir e imaginar como teria sido se fossem vocês a vivê-las.
Nós gostamos de contar, mas gostamos igualmente de ouvir, de viajar por mundos que não sejam o nosso. A relação entre contar uma história e usarmos a nossa imaginação é evidente, e necessária para a construção de uma base de histórias tão sólida como aquela que a Humanidade partilha. Mas tal como mencionei anteriormente, existem bases construídas para todas as histórias que ouvimos, até mesmo para as histórias que o vosso avô conta, normas que passaram geneticamente através dos tempos. A necessidade de responder a perguntas como "quem", "porquê", "onde", "quando", fomentam tanto a ordem como a força de uma história. Reparem na história do vosso avô, aposto que ele vos respondeu, sem o mínimo esforço (ou noção), a todas estas questões. E vocês, mais uma vez, não questionaram, sentiram-se simplesmente realizados e correctamente localizados dentro da história.
Nós estamos, por assim dizer, criados para percepcionarmos as histórias de uma determinada forma, faz parte de nós que uma história consiga responder a todas as questões anteriores. Sabermos onde se passa e com quem se passa, ajuda-nos a criar laços entre o mundo ficcional e o leitor, necessários para a compreensão global da história que estamos a contar. O mais fascinante é que se passa assim em qualquer tipo de história que possamos criar. Sermos contadores de histórias, é termos noção que essas regras existem e que as podemos usar para nosso proveito, conseguindo ir para além das histórias que contamos todos os dias e construir algo com o qual todos nos possamos relacionar.
Como argumentista, a minha vida baseia-se na construção de histórias, na elaboração de acções que se interligam à medida que os meus personagens as vivem. A única diferença entre aquilo que se escreve para o cinema, ou até para uma peça de teatro, e as histórias dos nossos familiares, reside muito nas expectativas que temos para determinada história. Nós queremos que algo aconteça, queremos que um protagonista vença os seus problemas e consiga, por exemplo, a rapariga. Não se enganem, tudo o que vêem é propositado e trabalhado até ao mais ínfimo pormenor. Conforme o género que vão ver, podem facilmente reparar que existem elementos que se repetem e que fazem sempre parte daquele tipo de filme. Por exemplo, nunca notaram que num filme de comédia o protagonista consegue sempre a rapariga, depois faz algo que a chateia e os separa, apenas para a reconquistar de uma forma ainda mais romântica e sincera, demonstrando ser o homem da vida dela? Alguma vez ficaram satisfeitos por terem adivinhado o final de um filme? Aqui está a vossa reposta e, muito sinceramente, o final da vossa popularidade nas tardes de cinema com os amigos.
Ser argumentista é ter um contacto permanente com os dois mundos, saber o porquê das histórias serem construídas de uma determinada forma e conseguir, mesmo assim, encontrar e apreciar algo novo. Claro que é muito difícil nos afastar da visão profissional, e acreditem que é quase uma maldição, mas é ao mesmo tempo interessante e desafiante tentar criar algo nunca antes visto e que consiga mudar o próprio género de histórias que estamos a tentar contar.
Em que ponto ficar? Nunca poderemos pensar que todas as pessoas irão contar as histórias como nós queremos que elas sejam contadas, com um 1ºacto bem construído, com um 2ºacto avassalador ou um 3º e último acto reconfortante. Esta foi uma pequena forma de vos demonstrar o que está por detrás das histórias que ouvimos e que tudo aquilo que vemos já foi feito e refeito. Não se preocupem, pensem desta forma, se já tudo foi feito, melhorem o que têm até que seja algo inovador. Há várias formas de escrever ou contar uma história, e ninguém conta a mesma história. "Acrescentar um ponto", mesmo que a base seja a mesma, a individualidade e a personalidade do contador de histórias irá fazer com que a sua história seja diferente de todas as outras que vocês ouviram.
É uma questão de experiência, e, acima de tudo, uma questão de imaginação.
*Licenciado em Cinema, pela Escola Superior de Teatro e Cinema. É o autor do filme Duelo, para além de ter sido director de som de outros três filmes. Um argumentista de grande valor.
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